terça-feira, 10 de novembro de 2009

A INGRATIDÃO DOS FILHOS E OS LAÇOS DE FAMÍLIA




Santo Agostinho - Paris, 1862



9 A ingratidão é um dos frutos imediatos do egoísmo; revolta sempre os corações honestos; mas a dos filhos em relação aos pais tem um caráter ainda mais revoltante. É particularmente sob esse ponto de vista que vamos considerá-la para analisar-lhe as causas e os efeitos.

Também nesta questão, como em tantas outras, o Espiritismo vem lançar luz sobre um dos problemas do coração humano.

Quando o Espírito deixa a Terra leva consigo as paixões ou as virtudes de sua natureza e vai para o Espaço se aperfeiçoar, ou permanece estacionário até que deseje esclarecer-se. Alguns partiram cheios de ódios violentos e desejos de vingança insatisfeitos. Mas, pela compreensão que alguns têm, por estarem mais avançados que os outros, conseguem distinguir algo da verdade e, compreendendo os desastrosos efeitos de suas paixões, tomam então boas resoluções, reconhecendo que, para chegar até Deus, há somente um caminho: a caridade. Acontece que não há caridade sem o esquecimento das ofensas e das injúrias; não há caridade com ódio no coração e não há caridade sem perdão.

Então, com um grande esforço, observam aqueles que odiaram na Terra. Ao vê-los, o rancor é intenso. A idéia de terem de esquecer de si mesmos lhes revolta e revoltam-se ainda mais ao saber que têm que perdoar e, principalmente, amar aos que talvez lhes tenham destruído a honra, a fortuna e a própria família. Assim é que o coração desses infortunados está abalado; hesitam, vacilam, movidos por esses sentimentos opostos. Se a boa resolução triunfa, oram a Deus, imploram aos bons Espíritos para lhes dar forças no momento mais decisivo da prova.

Enfim, após alguns anos de meditações e preces, o Espírito aproveita de um corpo que está em preparo e encarna na família daquele a quem detestou, pede aos Espíritos encarregados de transmitir as ordens superiores permissão para realizar na Terra os destinos desse corpo que acaba de se formar. Qual será então a sua conduta nessa família? Dependerá da maior ou menor persistência de suas boas resoluções.

O contato incessante com os seres a quem odiou é uma prova terrível sob a qual ele, às vezes, fracassa, se a sua vontade não for bastante forte. Desta forma, de acordo com a boa ou má resolução que tomar, será amigo ou inimigo daqueles no meio dos quais terá que viver. Assim se explicam ódios, repulsas instintivas, que se notam em algumas crianças, e que nenhum ato anterior parece justificar; nada, de fato, nessa nova existência pôde provocar essa antipatia.

Para compreendê-la, é necessário voltar os olhos ao passado. Espíritas! Compreendei o grande papel da Humanidade, compreendei que, quando se gera um corpo, a alma que nele reencarna vem do Espaço para progredir. Cumpri vossos deveres e colocai todo o vosso amor em aproximar essa alma de Deus: esta é a missão que vos está confiada e recebereis a recompensa se a cumprirdes fielmente.

Vossos cuidados, a educação que lhe dareis, ajudarão o seu aperfeiçoamento e o seu bem-estar futuro. Lembrai-vos de que, a cada pai e a cada mãe, Deus perguntará: “Que fizestes do filho confiado à vossa guarda?” Se permaneceu atrasado por vossa culpa, vosso castigo será vê-lo entre os Espíritos sofredores, quando dependia de vós a sua felicidade. Então, vós mesmos, atormentados pelo remorso, pedireis para reparar essa falta; solicitareis uma nova encarnação para vós e para ele na qual o rodeareis de melhores cuidados, e ele, cheio de reconhecimento, vos retribuirá com o seu amor.

Não rejeiteis, portanto, o filho que no berço repele a mãe, nem aquele que vos paga com ingratidão; não foi o acaso que o fez assim e nem a sorte o enviou para vós. Uma intuição imperfeita do passado se revela e disso podeis deduzir que um ou outro já odiou muito, ou foi muito ofendido; que um ou outro veio para perdoar, ser perdoado ou expiar. Mães! Abraçai o filho que vos causa desgosto e dizei a vós mesmas: um de nós é culpado. Fazei por merecer os prazeres que Deus concede à maternidade, ensinando a vossos filhos que eles estão na Terra para se aperfeiçoar, amar e abençoar, porém, muitas dentre vós, ao invés de tirar pela educação os maus princípios inatos, de existências anteriores, mantêm e desenvolvem esses mesmos princípios por culpa da fraqueza com que agem ou por despreocupação, e, mais tarde, vosso coração, amargurado pela ingratidão dos filhos, será para vós, já nesta vida, o começo da vossa expiação.

A tarefa não é tão difícil quanto poderíeis pensar; ela não exige o saber do mundo; tanto o inculto quanto o sábio podem cumpri-la, e o Espiritismo vem facilitá-la, fazendo-nos conhecer a causa das imperfeições da alma humana.

Desde o berço, a criança manifesta os instintos bons ou maus que traz da sua existência anterior; é preciso aplicar-se em estudá-los; todos os males têm origem no egoísmo e no orgulho; analisai, portanto, os menores sinais que revelem o gérmen desses vícios, e empenhai-vos em combatê-los sem esperar que criem raízes profundas; fazei como o bom jardineiro, que corta os brotos daninhos à medida que os vê nascer na árvore. Se deixardes desenvolver o egoísmo e o orgulho, não vos espanteis de serdes mais tarde pagos com ingratidão. Quando os pais fizeram tudo o que deviam para o adiantamento moral dos filhos, e, apesar de tudo, não alcançaram êxito, sua consciência poderá ficar tranqüila, e é natural o desgosto que sintam por verem fracassados todos os esforços feitos. Deus lhes reserva uma grande, uma imensa consolação, na certeza de que isso é apenas um atraso, e que lhes será permitido terminar, em uma outra existência, a obra começada nesta, e que um dia o filho ingrato os recompensará com seu amor. (Veja nesta obra Cap. 13:19.) Deus não submete a provas aquele que não as pode suportar, apenas permite as que podem ser cumpridas. Se fracassamos, não é por falta de condições, mas por falta de vontade, pois quantos há que, ao invés de resistir aos maus procedimentos, neles se satisfazem e é a estes que estão reservados os choros e os gemidos em suas existências posteriores. Admirai, no entanto, a bondade de Deus, que nunca fecha a porta ao arrependimento. Chegará o dia em que ao culpado, cansado de sofrer, com o orgulho por fim abatido, Deus abre seus braços paternais ao filho pródigo*, que se lança a seus pés. As grandes provas, entendei-me bem, são quase sempre o sinal de um fim de sofrimento e de um aperfeiçoamento do Espírito,quando são aceitas por amor a Deus. Para o Espírito, é um momento supremo, e é aí que importa não se lamentar, se não quiser perder o fruto da prova e ter de recomeçar. Ao invés de lamentardes, agradecei a Deus, que vos oferece a ocasião de vencer para vos dar o prêmio da vitória. Então, quando sairdes do turbilhão da vida terrena e entrardes no mundo dos Espíritos, sereis lá aclamados como o soldado que sai vitorioso da batalha.

De todas as provas, as mais difíceis são aquelas que afetam o coração; há os que suportam com coragem a miséria e as privações materiais, mas abatem-se sob o peso dos desgostos domésticos, esmagados pela ingratidão dos seus. Que angústia terrível! Mas o que pode, nessas situações, reerguer a coragem moral senão o conhecimento das causas do mal e a certeza de que, se há longas discórdias, não há desesperos eternos, porque Deus não quer que a sua criatura sofra para sempre. O que há de mais consolador e mais encorajador do que o pensamento de que depende só de si mesmo, de seus próprios esforços, abreviar seu sofrimento, destruindo em si as causas do mal? Mas, para isso, não se deve estacionar o olhar na Terra e ver apenas uma existência; é preciso elevar-se, planar no infinito do passado e do futuro. Então, a grande justiça de Deus se revelará aos vossos olhos e encarareis a vida com paciência, pois tereis a explicação do que vos parecia como monstruosidades na Terra, e as feridas que recebestes apenas vos parecerão arranhões. Nesse golpe de vista lançado sobre o conjunto, os laços de família aparecem no seu verdadeiro sentido; já não são mais os frágeis laços da matéria que reúnem os seus membros, mas sim os laços duráveis do Espírito, que se perpetuam e se consolidam ao se purificarem, ao invés de se destruírem pelo efeito da reencarnação.

Os Espíritos reúnem-se e formam famílias, induzidos pela identidade de progresso moral, semelhança de gostos e de afeições.

Esses mesmos Espíritos, nas suas migrações terrenas, procuram-se para se agrupar, como o faziam no espaço, originando-se as famílias unidas e homogêneas. Se, nas suas peregrinações, ficarem temporariamente separados, mais tarde eles se reencontram, felizes com seu novo progresso. Entretanto, como não devem trabalhar apenas para si mesmos, Deus permite que Espíritos menos avançados venham encarnar entre eles a fim de receberem conselhos e bons exemplos para progredirem. Causam, por vezes, perturbações no ambiente, mas é aí que está a prova a executar. Recebei-os como irmãos; ajudai-os e, mais tarde, no mundo dos Espíritos, a família se alegrará por ter salvo alguns náufragos, que, por sua vez, poderão salvar outros.



Fonte: Evangelho Segundo o Espiritismo (Cap.: XIV)

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